Paradiso

Expressão máxima do radicalismo barroco na literatura latina, clássico do cubano Lezama Lima chega em nova edição

  




Paradiso se tornou através dos anos um mito da literatura latino-americana. Edificação máxima do esplendor barroco, fusiona heranças culturais e literárias de vertentes híbridas. Percorre a Grécia antiga, a América criolla, a Europa de Dante, Góngora, Goethe e Voltaire. Foram quase 20 anos para elaborar esse que é o romance referencial do cubano José Lezama Lima, marco de uma radicalização estilística sem concessões. Ao leitor, portanto, não se trata de uma leitura qualquer, mas uma imersão num mosaico de sinestesias, que transformam Paradiso numa experiência literária assombrosa.

Tentar definir a trama do livro como sendo de cunho autobiográfico, por acompanhar o crescimento do asmático personagem José Cemí, da infância à vida adulta, em meio aos dilemas de uma sexualidade que o perturba e ao desenvolvimento de sua vocação poética, seria reducionista e impreciso. Porque a Lezama Lima pouco importam as prerrogativas da narrativa e do vocabulário convencionais: toda a lógica do mundo, as observações, as descrições, as reflexões pessoais, cedem a uma iconoclastia poética devastadora, tornando nebulosas as fronteiras do que entendemos por “realidade”. O lirismo pessoalíssimo de Lezama Lima reverbera em cada cena, em cada passagem, em cada ponto e vírgula.

A despeito da verborragia poética do escriba cubano, nenhum vocábulo da obra soa fortuito, ao contrário: cada um deles parece ter sido rigorosamente planejado, como a cumprir esta dupla função, estética e transcendental, que acaba por conduzir o leitor a uma inevitável epifania. O livro exerce um sublime e ao mesmo tempo dolorido mergulho no universo das leituras de formação, da amizade e da lealdade cúmplices, da sexualidade em suas exuberâncias mais fantasiosas. O hermetismo do texto só reforça a aura própria das coisas especiais: Paradiso é uma obra ímpar.

Esta edição apresenta dois textos introdutórios de Eloísa Lezama Lima, escritora e professora de literatura, irmã de José Lezama Lima e eterna divulgadora de sua obra. Eloísa Lezama Lima nasceu em Havana, Cuba, e faleceu em Miami, EUA, em 2010.


Ficha Técnica: 
Título: Paradiso
Tradução de Josely Vianna Baptista 
Textos introdutórios de Eloísa Lezama Lima 
616 páginas 
Valor sugerido:  R$ 74,00 

Trechos da obra: 

“Diante da casa de druídicas suspeitas lunares e com anáguas deixadas pelas estinfálidas, sentado numa cadeira de balanço de pedra de raspado madreporário, o chinezinho dos rápidos filhós de ouro, envolto no linho apotrocaico, movia-se osseamente dentro daquele casarão de pedra com o linho enfunado pelo pé de vento da procela. Do tédio que lhe ofertava o ovo de cristal excedente, fazia a batutinha delicadíssima do cerimonial, ora levando o sono de antílopes e candelabros frontais até o folhudo cinzeiro da mão direita, ora elevando as canelas de uma perna até o assento, decidido a resistir aos salientes noturnos por trás do entrecruzamento da osteína instrumental.” [p. 101]


“Como se tivessem retirado as pranchas metálicas, o coro dos banhistas ondulou ao soprar sua charamela perto do vestiário dos copeiros; avançaram para um ponto como se fossem transmitir uns aos outros uma secreta mudança de guarda, e desapareceram na fumacinha do café que vinha  arrematar a espreita de um gato cor de pólvora, agigantado, levemente monstruoso, como os que aparecem nos pesadelos dos generais dos Cem Dias, com sua pele muito esticada, terminada em inumeráveis biquinhos como mamas incipientes, passeando arrastado ao longo do refeitório, como a sombra sibilante que surge do mar e desaparece deglutida pelo gênio dilatador da ceiba.” [p. 148]
  

“Desceu a escada com a majestática decisão de quem tem de cumprir uma obrigação fatal, muito digna, com seu neto um pouco à frente, e as duas netas a seu lado. Pura composição de Velázquez. — Somos seus vizinhos e queríamos dizer que estamos à sua disposição — disse a Avó Munda a dona Augusta, trocando reverências. — Entrem, entrem, sentem‑se, por favor — respondeu, disfarçando ao máximo a violência da cena transcorrida. — Que momento, minha boa senhora, acabo de passar, o susto me impede de atendê‑los como eu gostaria, por pouco não matam uma de minhas filhas...” [p. 175]
  

 Fonte: Divulgação Editora Estação Liberdade